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A ciência das escolhas

Por Franklin Lacerda e Márcio Durigan.

No livro Economia sem Truques, os professores Carlos Eduardo Gonçalves e Bernardo Guimarães abordam a economia de uma maneira leve, simples e didática, que atende tanto estudantes de economia,  economistas ou mesmo aqueles apenas interessados no tema.

No primeiro capítulo, intitulado “O Pobre não é Burro”, eles tratam da questão das escolhas. Para tanto usam o exemplo do trabalho infantil praticado nas fábricas de tecidos de Bangladesh. Gonçalves e Guimarães citam que, em 1992, essas fábricas empregavam mais de 50 mil crianças com até 14 anos de idade.

Lá, o trabalho infantil era proibido por lei, que não era lá muito respeitada. Até que os Estados Unidos, que importavam boa parte dos tecidos de Bangladesh, publicou uma lei em seu país que proibia a importação dos tecidos de empresas que utilizavam trabalho infantil. A partir desse momento muitas crianças deixaram de trabalhar no país asiático.

Mas, ao contrário do que se imagina, essas crianças não passaram a ter melhores condições de vida, como por exemplo frequentar a escola,  brincar com as outras crianças etc. Infelizmente, elas se submeteram a condições ainda piores: prostituição, trabalho clandestino em condições insalubres, assaltos, drogas, dentre outras atrocidades.

Crianças trabalhando em Bangladesh.

Por mais paradoxal que fosse, trabalhar nas indústrias têxteis de Bangladesh ainda era disparado a melhor opção que essas crianças tinham, em contraposição às outras alternativas disponíveis, como trabalhar em pedreiras em condições desumanas, virarem trombadinhas ou se entregar à prostituição. Quando não, as mães dessas crianças que foram expulsas do mercado de trabalho, se viram obrigadas a deixar seu próprio emprego para cuidar dos filhos, o que afundou ainda mais a situação de pobreza dessas famílias.

Certamente elas gostariam de estudar, brincar, soltar pipa, pintar as unhas, jogar bola, videogame ou rodar pião, mas essas opções não existiam para elas. Felizmente, em 1995, a UNICEF interveio e costurou um acordo com a associação das indústrias têxteis do país. A partir daí as crianças só poderiam ser desligadas das empresas quando elas tivessem opções melhores. Ótimas notícias: isso realmente passou a acontecer.

Vamos citar outro exemplo, mais recente e próximo, para ilustrar a questão das escolhas.

Na última sexta-feira o blog da Folha de São Paulo, em post assinado pelo repórter Frederico Vasconcelos, citou declaração do procurador da República Deltan Dallagnol,  coordenador da Operação Lava Jato: “A corrupção pode ser vista como uma decisão embasada em custos e benefícios. Empresas corrompem porque os benefícios são maiores do que os custos. Devemos inverter essa fórmula.

Vamos contextualizar melhor a fala do Procurador da República. A matéria informa que o Ministério Público Federal condenou as empreiteiras Camargo Corrêa, Sanko, Mendes Júnior, OAS, Galvão Engenharia, Engevix e seus executivos a pagarem o valor de R$ 4,47 bilhões ao erário, entre ressarcimento por desvios de dinheiro público, multas e danos morais. Ainda de acordo com o Procurador, “as ações propostas materializam a convicção do MPF de que todos numa República devem ser punidos igualmente, na proporção da gravidade de seus atos e culpas“.

Já tratamos aqui no site sobre os impactos econômicos da corrupção. Só para atualizar alguns números, de acordo com matéria do jornal O Globo, divulgada no fim do ano passado, o impacto deste caso deve ser seis vezes maior do que o caso do Mensalão, julgado em 2012. Não pretendemos entrar no mérito das questões legais ou dos valores envolvidos no caso da Petrobras, mas queremos refletir acerca das escolhas envolvidas para que as pessoas cedam à corrupção.

Inclusive, na mesma linha de raciocínio, também é pertinente a reprodução da fala de Paulo Okamotto, em entrevista publicada no jornal O Estado de São Paulo, semana passada.

O atual diretor do Instituto Lula, e ex-presidente do Sebrae, sintetizou assim a posição do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, quando ele pediu doações às empreiteiras contratadas pela Petrobras para atender as demandas do partido: “As empresas estão ganhando dinheiro. Ninguém precisa corromper ninguém. Funciona assim: ‘Você está ganhando dinheiro? Estou. Você pode dar um pouquinho do seu lucro para o PT? Posso, não posso.’ É o que espero que ele tenha feito.

Nos dois exemplos ligados à Petrobras, percebe-se que as empreiteiras que levavam óbvias vantagens escolheram um caminho nem tanto republicano para a obtenção da perpetuação dessas benesses. Na declaração do petista, ainda que de forma cifrada, também fica clara a maneira como as empreiteiras usavam parte do dinheiro recebido dos contratos com a estatal, e repassavam em forma de doação ao partido.

Comparando os dois modelos de escolha que mostramos,  é óbvio concluir que são situações totalmente distintas. Trabalhar em condições insalubres e corromper-se (ou corromper o próximo) são coisas diferentes. Mas, de certo modo, o processo decisório é muito similar. Quem corrompe, escolhe corromper. Então, se pode escolher, é porque tem alternativas disponíveis. No mínimo “sim” ou “não”.

Assim, de modo similar ao caso das crianças trabalhadoras de Bangladesh, que paradoxalmente foram prejudicadas quando apartadas do seu trabalho, talvez também tenham faltado alternativas ou ainda um ambiente propício para que os envolvidos na Lava Jato não tivessem que chegar ao ponto de optar pela corrupção. Essa posição nem é ingênua nem mesmo pretende justificar as aberrações verificadas nas investigações. É apenas uma abordagem quase filosófica sobre o poder de escolha que tem o ser humano.

Muitos economistas e jornalistas argumentam que a melhor solução para a Petrobras é a privatização. Não vamos entrar no mérito quanto às vantagens e desvantagens da privatização, ou ainda se a empresa deve ou não ser privatizada. O que nos parece mais importante é que um melhor ambiente institucional seja criado e que a transparência seja realmente aplicada.

Infelizmente, pelo menos em tese, nenhuma empresa está isenta de envolver-se em crimes de corrupção, em alguns casos até por questão de sobrevivência empresarial. A própria Operação Lava Jato destacou a participação de empresas privadas (como as empreiteiras) e públicas (notadamente, a Petrobras).

Por esta razão, parece-nos prudente, antes de discutir a questão da privatização, discutir o ambiente em que essas empresas estão inseridas, pois como destacou o Procurador da República, “a corrupção pode ser vista como uma decisão embasada em custos e benefícios. Empresas corrompem porque os benefícios são maiores do que os custos”. 

E em economia, não é diferente. Melhores alternativas devem estar disponíveis. Devemos mostrar que os custos são maiores do que os benefícios da corrupção.

Concorda ou discorda com os argumentos apresentados aqui? Entre em contato conosco ou deixe seu comentário.

Para saber mais:
Trecho do livro Economia sem Truques – http://abr.ai/1AYc88n
Amazon – http://bit.ly/1LlMIEN
Indicação de leitura – http://bit.ly/1CT00Cj
Lava Jato: MPF cobra R$ 4,47 bilhões – http://bit.ly/1AcWxkI
MPF cobra R$ 4,47 bi de empresas investigadas por desvios na Petrobras – http://glo.bo/1AYn6uJ
Desvio no petrolão é seis vezes maior que o identificado no mensalão – http://glo.bo/1BKvf6w
A Petrobrás deve ser privatizada? – http://bit.ly/1AUhvqM
Petrobrás: privatizar é a solução – http://abr.ai/1BvDsMB
Presidente do Instituto Lula diz que foi procurado por ‘várias empresas’ – http://bit.ly/1ArKQW3

Créditos da imagem:
Economia sem truques – http://bit.ly/1vOIBYK
Corrupção – http://bit.ly/187aWEB
Crianças trabalhadoras em Bangladesh – http://bit.ly/1vlJv42
Operação Lava Jato na Petrobrás – http://bit.ly/1AsqaNF
Corruptores – http://bit.ly/1MFrMdo
Público ou privado – http://bit.ly/1wjiW0c

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